Um estranho espadarte na aldeia – Edson Kayapó

“Quando o homem se acalmou, o pajé veio e lhe soprou sobre a cabeça a fumaça densa do cachimbo, falando um tanto de coisas que eu ainda não entendo, mas desconfio que seja a linguagem dos Karuãnas. O homem respirou profundamente, como alguém que emerge do fundo do rio, quase sem fôlego.

Com febre alta e agitado, o forasteiro começou a delirar, narrando em voz alta um intenso momento do cotidiano no presídio, na qual ele descreve uma cena em que se vê embaixo de um trapiche, entre as toras de madeira e as ferragens da construção da nova ponte, numa noite sem lua em Clevelândia. Em seguida, outro delírio: depois de passar muitos minutos mergulhando nas águas do rio Oiapoque, respirando por um pequeno tubo improvisado com o caule de uma planta aquática, ele vinha à tona. Era o momento de sua fuga na prisão. A maré subia e o levava rio acima, onde provavelmente não o alcançariam, já que o mais óbvio seria fugir rio abaixo, em direção ao mar, tendo no caminho à cidade do Oiapoque ou Saint George – na Guiana Francesa.

Vendo aquela situação, o pajé começou a agitar o seu maracá, entoando cantos em voz bem alta, parecendo que estava atuado. Olhei para ele e tive a impressão de que era uma grande onça pintada, enquanto o homem mantinha-se mergulhado em seus sonhos delirantes, revivendo os espancamentos com couro de umbigo de boi e os maus tratos que viveu no presídio.”

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Peso 0,300 kg
Dimensões 13 × 20 cm
Editora

Primata

Páginas

92

ISBN

978-65-88866-42-9